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Beijo 17

Pouco restou depois que Conceiçãozinha partiu, duas patacas, o breviário, e um beijo, tudo embaraçado em linhas e agulhas na pequena caixa de costura.
O jovem Rodolfo desembaraçou todos os itens , enrolou as linhas, espetou as agulhas, organizou a caixa. Usou o beijo para marcar no livrinho a oração do
dia que Conceição partiu. Guardou tudo na gaveta.

Os dias na fazenda passaram exatamente iguais. Passou-se um ano, passaram-se dois.

Muito sensível para um  jovem sinhôzinho, Rodolfo abriu a gaveta e pegou a caixa de costura no dia que ele supunha ser o aniversário da partida de
Conceiçãozinha. Enganou-se, ele ou o beijo, pois marcado estava outro dia longe de novembro.

A princípio o jovem Rodolfo pensou que algum irmão bisbilhoteiro havia mexido em suas coisas, pensamento enfumaçado quando viu que a data era
15 de agosto, aniversário de Conceiçãozinha. Rodolfo era um garoto que guardava datas, todas as datas, especiamente as datas que faziam referência
àquele ano de 1861 que convivera com Conceiçãozinha. Resolveu deixar o beijo marcando a oração do dia 19 de março, dia São José, dia em que foram
à missa juntos e fugiram pelo pomar dos padres.

Uma semana depois, Rodolfo não resistiu e voltou a olhar na caixa de costura. O beijo havia mudado de página. Mudou pra outra data, dia 13 de
junho, um belíssimo Santo Antônio de lua cheia.
Então Rodolfo percebeu. O beijo trocava de página, ele mesmo lembrando dos dias em que passaram juntos. Cada dia o beijo lembrava a Rodolfo um
carinho, uma festa, um olhar, uma história das tantas que aconteram no decorrer daquele juvenil ano de 1861...

 

 

Um dia Rodolfo abriu a caixinha e não encontrou o beijo. Virou a gaveta, olhou sob a cama, no  criado mudo, nada.   Olhou pela janela e viu o beijo preso no arame da cerca da fazenda, balançando ao vento. Correu aflito. Não poderia perder o único beijo que Conceiçãozinha deixara,  Ao chegar ofegante na cerca deparou com o carroceiro José.

– Este beijo é teu, ó Rodolfinho.

– Sim senhor José, disse o sinhôzinho um tanto ruborizado.

– Pois não deixes a janela aberta que eles voam, sinhozinho, depois tu perdes para sempre, disse o sabio e modorrento José.
– Agora está guardado. E tu Mestre José, pra onde vais com a carroça, que hoje não é dia de carregamento? – Rodolfo queria mudar o assunto um tanto
constragedor.

– Questão de agradecimento e honra. Vou até a Capital pagar uma dívida de dois anos que fiz aos Andrades, lembra deles? Daquela menina Conceição?

– Me leva José! Dê seu preço José, pago o que precisar.

– Serei camarada contigo, Sinhozinho, duas patacas e está pago.

 

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